A redução a um olho

Estava em frente ao espelho, amargurado por ter tomado uma decisão tão terrível contra o próprio corpo: na noite anterior, havia arrancado sua orelha com uma faca. Que ser humano seria capaz de tal ato contra sua própria carne? Que motivo levaria alguém a tamanha perda de controle?

Lutava por espaço, por reconhecimento, por um lugar em um grupo. E chegou ao ponto de desprezar sua subjetividade, a individualidade que o tornava único, para se ajustar ao pensamento da multidão. Tornou-se um traidor de si mesmo, alguém que se vende por um sentimento de pertencimento, disposto a ocultar erros.

Deixou de ser ele mesmo, e suas partes foram arrancadas brutalmente por suas próprias mãos, na tentativa de demonstrar-se digno das atenções que buscava. Fez tudo diante dos olhos de quem estava pronto para recebê-lo, mas se perdeu no coletivo.

Arrancou pedaços do seu corpo: o nariz, a boca, as orelhas, um olho. Era amado por aqueles que prezavam a unidade do grupo em detrimento da personalidade e do prazer individual, desde que estivesse disposto à humilhação, pois não suportariam a ameaça que sua liberdade representava.

Teria seu espaço. Até mesmo uma roupa lhe dariam para ser reconhecido publicamente como parte de algo maior que ele, mas perderia a liberdade de pensar. Rejeitaria os que verdadeiramente o amavam em troca de um lugar ao lado dos amigos falsos.

Seria apenas um olho, vermelho e cansado, e as marcas no corpo seriam as consequências de uma luta por espaço que o levou a ceder à redução de si mesmo. Já não podia mais ouvir, nem respirar, nem falar; restava-lhe apenas a capacidade de enxergar.

Porém, diante da mínima ideia de que poderia ser ele mesmo — aprender a desfrutar da solidão ou do convívio com poucos que realmente importam, de uma maneira que intriga a razão — estava disposto a enfiar um objeto pontiagudo no olho que lhe restava. Tudo para ver o escuro pelo resto de seus dias, a fim de não perder o espaço conquistado através de sua própria destruição.