Helen era uma jovem de sorriso aberto e voz branda. Na igreja, sentava-se sempre ao lado do irmão e da mãe e, como de costume, esperava ansiosa pelo encontro com os amigos.
Era conhecida por sua dedicação em fazer os outros se sentirem acolhidos, parte de algo maior. Notavelmente, muitos queriam se envolver naquilo que ela participava, contagiados por sua habilidade de reunir pessoas — a tal ponto que acabavam transformando isso em propósito.
Ela era um ombro amigo, sempre disposta a ouvir com atenção — algo raro em muitos lares. Lembrava de aniversários, oferecia conselhos, estava presente. As pessoas a procuravam por sua simpatia e pela maneira como cuidava do outro. Sentiam-se vistas, acolhidas como nos braços de uma mãe: ternos e compassivos.
Mas havia algo em sua doçura que talvez ela mesma não percebesse, envolta em sua adorável postura. No silêncio, na solidão do seu íntimo — quando estava sozinha consigo mesma, entre lembranças e pensamentos —, ouvia uma voz inquietante. Ela vinha de um lugar profundo, seduzia sua mente e julgamentos, cada vez mais forte e insistente. Foi então que Helen começou a notar o brilho nos olhos daqueles que lhe confiavam suas dores, medos e segredos.
Cada confidência era um conhecimento valioso sobre os lugares mais sombrios da alma alheia — um poder que pulsava em suas veias. Um poder invisível aos outros, oculto sob o véu das virtudes. Virtudes capazes de proteger uma realidade construída sobre a exploração da sinceridade. Com empatia e doçura, Helen podia conduzir vidas, ainda que isso servisse, no fundo, para destruir reputações e manchar imagens.
Além dos que estavam debilitados pelas dificuldades que a vida impõe: problemas familiares, relacionamentos ruins, decisões equivocadas, etc, ela também percebeu que muitos, na ânsia por pertencer, estavam dispostos a se reduzir. Agiam em contradição com os próprios discursos, sustentando publicamente valores que negavam em silêncio. Tudo fazia parte de uma assimetria — uma incongruência entre o que diziam e o que realmente eram.
Para fazer parte de seu grupo, uma jovem chegou a expor os erros da própria irmã, com quem mantinha uma relação conturbada. Tudo aconteceu em um ambiente que parecia acolhedor e seguro. As confidências sobre sua família eram partilhadas em um misto de sinceridade e ingenuidade — sem imaginar que os mais próximos de Helen dentro do grupo teriam acesso aos seus segredos e conflitos mais íntimos.
As informações circulavam entre poucos, aqueles que, ao lado de Helen, sustentavam o discurso de união e boas intenções.
Aquele lugar, que em sua essência deveria abençoar, tornava-se um espaço onde o desprezo se disfarçava de virtude, e o ódio pelo outro era disseminado com zelo. Tudo isso sob o véu de um ambiente polido pelo sagrado, onde consciências entorpecidas praticavam o “mal banal” — sorrateiro, que confunde aparência e essência, dando a falsa segurança de que estava tudo bem ferir vidas, afinal, a abundante graça enchia os corações maldosos.
Aos poucos, seus sorrisos tornaram-se uma mistura de luz e sombra, e suas ações, cada vez mais viciadas em manipular. Foi então que ela começou a quebrar suas bonecas — de sua infância, conservadas pelo carinho de sua mãe. Sempre que alguém se aproximava, demonstrando o desejo de fazer parte de seu grupo de amigos, Helen escolhia uma delas para alimentar seu vício oculto. Cada boneca partida era um gesto simbólico de controle, de destruição de uma alma, um ato silencioso que lhe dava a sensação de poder sobre a vida dos outros.
Quando um jovem se aproximou para o convívio com aquelas pessoas, porque buscava se entrosar e compartilhar mais da sua fé com aqueles que acreditava ser irmãos e, portanto, dignos de confiança, porque a confiança da fé com o divino se propaga na relação entre o seu povo, Helen removeu os olhos de uma boneca. A recepção era sempre marcada pela alegria de ser parte de algo maior, junto aos demais, igualmente viciados naquele ambiente de manipulação, em que não se freia o vexame do outro, mas tudo incrivelmente embebido em um ar de alegria e união.
Ela perdeu o controle de todo aquele comportamento destrutivo, que no começo parecia inofensivo, mas que com o tempo se tornou agressivo, dominante. Contudo, não era algo que a arrastava para ações que não desejava. Ela estava envolvida com aquela maldade, tinha prazer em conhecer a desgraça alheia e denegrir a imagem dos outros, que confiavam, por causa de seu acolhimento, símbolo dos que têm fé, suas histórias de vida.
Aos poucos, a alegria das virtudes se afastou de seu coração, corroído por atos e desejos perturbados. Aquele poder de manipulação, exercido em meio à sinceridade dos que buscavam o divino como esperança para uma vida desértica, destruía sua humanidade, levando-a a amargar o prazer do domínio.
Cada relação que mantinha simbolizava a destruição de uma boneca. Já não havia nenhuma intacta, de sua infância, que não tinha uma parte arrancada, o que representava o descontrole que se tornara conhecer a dor dos outros e destruir suas reputações.
Como se não bastasse, Helen passou a carregar consigo, em sua bolsa, uma boneca sem cabeça, braços ou pernas. As dores e segredos das pessoas eram aquelas partes arrancadas — reflexo de seu próprio espírito. O mal, como um cão de dentes trincados, arrancou a alegria e a graça de seus gestos amáveis. Era uma dominação pela dominação.
Ela não percebeu, entre os atos da vida, o momento em que a maldade cresceu, tomou espaço, feriu e abateu a sua alma. Seus pensamentos e sentimentos se perderam, e sua capacidade de reconhecer a própria identidade foi subjugada por um desejo ardente e crescente, capaz de silenciar a voz que insistia em alertá-la dos perigos de certos caminhos.
Ainda assim, por vezes, uma brisa soprava em sua face, revelando a realidade como um espelho — uma gota d’água que lhe permitia escapar da perturbação agonizante de uma alma sedenta por paz.
Mas um grande receio a inquietava: o medo de ser apenas uma peça nas mãos da perversidade, manipulada para propósitos destrutivos, mas incapaz de rejeitá-los. Era-lhe exigido grande esforço na luta pelos benefícios da verdade e do bem, para preservar a sanidade e manter o controle de suas próprias paixões.
Após tudo isso, uma nova pessoa se aproximou. Ela a abraçou… e sorriu.
