A cidade de Tróia, ao aceitar um presente dos gregos, deixou para os séculos seguintes uma lição valiosa: um benefício aparente pode esconder a destruição. No episódio, tratava-se de uma estratégia de guerra, mas a expressão "Cavalo de Tróia" passou a simbolizar qualquer mal disfarçado de bondade — seja na política, na religião ou nas empresas.
Na política, o termo democracia é frequentemente usado para sinalizar alinhamento aos eleitores, à mídia e ao mercado, contribuindo para reduzir os efeitos da incerteza. Por exemplo, as ações dos governos podem influenciar os preços, ao modificar as expectativas dos agentes econômicos.
Contudo, à medida que desalinhamentos ou decisões equivocadas revelam a retórica e o populismo da gestão pública, é necessário conter a onda de desaprovação, especialmente em relação aos preços dos bens essenciais. As necessidades dos agentes econômicos, então, agem contra uma democracia que traz insegurança financeira e jurídica, permitindo antecipação aos atos do governo e criando um ambiente de estabilidade desejada.
Na religião, que tradicionalmente busca oferecer aos homens um sentido para a vida, associado ao divino e ao sagrado, as virtudes servem tanto para conferir legitimidade quanto para, eventualmente, encobrir uma profunda degradação moral dentro das comunidades. Nesse contexto, a sinceridade dos fiéis é frequentemente explorada, e o medo do desconhecido, aliado ao senso de dever, torna-se um poderoso instrumento de manipulação.
Nesse campo, o alinhamento também é essencial para garantir a segurança da convivência em grupo. Por isso, um ambiente onde as virtudes são exploradas em benefício próprio tende a gerar incertezas. A objetividade da cosmovisão presente em algumas religiões pode, assim, incitar uma forte oposição a grupos que buscam poder às custas dos valores morais absolutos — valores que, por sua natureza, permitem antecipar e conter tais ações.
Nas empresas, o tema da cultura é frequentemente explorado, especialmente por meio de valores associados ao capitalismo e à democracia, como o mérito e o respeito. No entanto, como ocorre com outros símbolos, o mérito pode ser usado com intenções que pouco têm a ver com seu significado real. Assim como na religião e na política, as virtudes servem para abrir os portões aos presentes, mas o que vem dentro pode ser pura destruição.
Aqui, o mérito, por exemplo, pode ser invocado para sustentar o alinhamento com as diretrizes da empresa, enquanto a bajulação se torna o verdadeiro mecanismo de ascensão individual. E como negar que isso seja mérito? Os troianos também se empolgaram demais com o presente. Ou seja, tendemos a acreditar que as ações são legítimas porque as diretrizes assim o são, quando, na verdade, trata-se do mal disfarçado, explorando nosso desejo pelo bem — tão bem camuflado que até os mal-intencionados passam a crer que agem corretamente.
Em qualquer um desses contextos, o que realmente importa é a perspectiva da verdade, pois só ela pode abarcar todos os fatos. No entanto, cada parte envolvida constrói sua própria narrativa da realidade. Assim, aqueles mais distantes do comportamento correto tendem a perverter as virtudes, ajustando-as para atenuar os julgamentos da própria consciência ou por pura incapacidade de compreender a essência do que sejam as virtudes.
Dessa forma, em qualquer dessas esferas sociais, quanto maior a decadência moral, maior a rendição a uma narrativa distorcida do que seria o bem comum — agora pautado pelas experiências equivocadas dos indivíduos. Isso pode ocorrer tanto por interesse próprio, muitas vezes sustentado por crime e manipulação, quanto pelo desejo de pertencer a algo que a consciência ainda julga como bom para a sociedade, como os dons do sagrado, da justiça e das normas de conduta.
Contudo, esse aspecto da realidade — ou seja, o fato de que os homens não narram sempre a partir de determinados pressupostos, mas de acordo com quem realmente são a partir de uma mistura de pressupostos, ocultando crimes e erros sob a máscara das virtudes amplamente aceitas pela sociedade — se agrava quando agem em grupo para aprovar os erros uns dos outros. Isso cria um ambiente que facilita o crime, a corrupção e toda forma de imoralidade, tornando-os sistemáticos.
Esse contexto, em que os homens se lambem mutuamente, é destrutivo, perverso e degradante. O sentimento de estar protegido — ou seja, de ter margem para errar — alimenta o ego e é prejudicial, pois se sustenta em uma lei frouxa, que precisa subverter a moral vigente.
A consequência de homens que se lambem na religião é a hipocrisia, a sistematização de um mecanismo de religiosidade. Contudo, na perspectiva daqueles que se juntam em grupos para agir contra a comunidade, justificam suas ações como se fossem as mãos do divino, sem considerar que a divindade age por meio de quem escolhe e reprova tudo o que é contrário à sua essência.
No âmbito político, historicamente, a prescrição de conduta é dominada pela retórica. Mas não se trata de estabelecer uma nova verdade, como imaginavam os sofistas, mas de manipular a própria verdade, sob a ideia de bem comum, para introduzir um mecanismo imoral que saqueia o país e favorece grupos que trocam poder por migalhas.
A cultura empresarial, enquanto parte de um organismo social, está sujeita a esses mesmos processos, resultando em frustrações, construção de narrativas e um desvio entre o que a corporação imagina e o que de fato se encontra em seus departamentos. Esse aspecto da realidade, assim como os outros, oferece benefícios aos homens. Dessa forma, qualquer um pode se alinhar às diretrizes em função do salário ou modificar o conteúdo, mantendo a forma do código de ética.
Ao tratar os pontos acima, temos que reconhecer que, em diversos contextos — seja na religião, na política ou no ambiente corporativo — a verdade e as virtudes podem ser distorcidas para atender interesses individuais ou de grupo. Esse processo de manipulação e falsificação das intenções gera um ciclo vicioso, onde as ações, embora justificadas sob o pretexto do bem comum ou da moralidade, acabam por promover a destruição, a corrupção e a imoralidade.
A construção de narrativas, a desinformação e a mentira, elementos centrais no jogo pelo poder, se entrelaçam com as virtudes de tal forma que “os benefícios justificam os meios”. Após o desastre, a solução encontrada costuma ser superficial: pintar as paredes do muro, trocar a logo ou substituir o chefe do departamento. Mesmo diante do problema, a resposta é, mais uma vez, uma medida que busca manipular a fé, a esperança e a certeza de que logo todos sairemos da crise.
O presente dado a Tróia foi aceito com a perspectiva do fim da crise, quando, na verdade, era apenas mais um estágio do seu processo, o derradeiro fim. A mesma dinâmica se repete ao longo da história: as promessas de soluções rápidas e benéficas, muitas vezes disfarçadas de virtudes, são aceitas com a esperança de um alívio imediato. No entanto, são essas mesmas ilusões que alimentam a perpetuação do ciclo de manipulação, corrupção e instabilidade.
