A sociedade em que vivemos é fruto contingente de inúmeras ideias que moldaram sua formação. Hoje, apresenta-se como uma construção complexa, cuja realidade se revela por meio de diferentes perspectivas e modelos que utilizamos para simplificá-la e compreendê-la.
Existimos em meio a uma pluralidade ética e moral, que nos permite definir comportamentos desejáveis e refletir sobre se estamos no caminho certo. Mesmo que haja uma ética e uma moral predominantes, manifestam-se outros comportamentos baseados em diferentes formas de compreender a realidade.
Dessa forma, podemos encontrar uma ética utilitarista em contextos onde a ética cristã predomina. Isso não significa que uma necessariamente exclua a outra, pois comportamentos específicos podem ser aceitos por diferentes princípios éticos, e um indivíduo pode resultar de uma construção social baseada em múltiplas éticas.
Esse indivíduo não age apenas com base em uma única construção moral, mas em várias, mesmo que predomine em sua mente um conjunto específico de comportamentos morais. Em outras palavras, a sociedade nos molda com uma diversidade de condutas desejáveis, originadas de diferentes perspectivas da realidade.
Portanto, posso agir com base na ética cristã, que se fundamenta na vontade de Deus; em uma perspectiva ética neoclássica, que valoriza “deixar o mercado decidir”; ou no antropocentrismo, que busca os benefícios do ser humano em detrimento, por exemplo, das florestas. Ou seja, o homem contemporâneo é complexo, assim como a sociedade que o molda.
No entanto, dentro desse conjunto de éticas sociais, há uma que atua como motor da eficiência, permitindo a obtenção de benefícios de forma ampla. Isso não significa que todos serão beneficiados, mas sim que indivíduos livres contribuem para que a sociedade alcance um maior bem coletivo (Adam Smith).
Quando Bernard Mandeville, em A Fábula das Abelhas, aborda o egoísmo, ele o considera moralmente errado. Embora tenha reconhecido o valor coletivo dos vícios privados, não admitiu que a busca pelos próprios interesses pudesse ser socialmente desejável.
Por exemplo, quando o mundo das abelhas se torna um lugar sem litígio, os advogados não teriam mais meios de manipular regras para benefício próprio. Para Mandeville, o egoísmo humano pode gerar efeitos sociais, mas ele não destaca a necessidade de instituições formais para esses efeitos.
Diferente dele, Adam Smith reconheceu que o egoísmo individual, embora não moralmente obrigatório, pode trazer benefícios sociais. Observando a realidade, Smith mostra que o comportamento humano egoísta pode gerar vantagens para outros indivíduos livres, mesmo sem benevolência intencional. Sua famosa frase exemplifica bem isso:
Não é da benevolência do padeiro, do cervejeiro ou do açougueiro que esperamos nosso jantar, mas do cuidado que eles têm com seus próprios interesses.
Mesmo que de maneira mais equilibrada, como na ética cristã de amor ao próximo, há um interesse individual, seja pela salvação ou pela prática da caridade. Embora a salvação seja um ato de Deus, há um desejo individual de amar ao próximo para agradar ao Criador, o que constitui também um benefício pessoal. Isso mostra a compatibilidade da ética cristã e o interesse individual.
Antes de Mandeville, Thomas Hobbes já havia desenvolvido bases para uma perspectiva social fundamentada no egoísmo, ao considerar a sociedade como uma convenção necessária. Para Hobbes, o homem é egoísta e completamente livre em estado de natureza, mas decide abrir mão de parte de sua liberdade para viver em paz com os outros.
Ou seja, ao pensar em si mesmo, o homem resolve criar a sociedade para preservar a própria segurança. Essa visão contrasta com a concepção aristotélica do homem como ser naturalmente gregário.
O egoísmo ético é, assim, um dos fundamentos do Ocidente, pois permite compreender a realidade de forma observável e empírica. Diferente da ética marxista, que busca impor justiça social de maneira normativa, o egoísmo ético mostra como comportamentos individuais podem gerar efeitos coletivos positivos, mesmo sem prescrição moral formal.
Essa perspectiva social não é apenas uma teoria radical; pelo contrário, ela permite que pessoas livres busquem seus interesses enquanto contribuem para o desenvolvimento da sociedade. Dessa forma, políticas e instituições não precisam impor comportamentos para que se alcance benefícios coletivos, porque o individualismo pode contribuir para a eficiência da sociedade.
Em resumo, o egoísmo ético, como motor de eficiência social, mostra-se compatível com as demais éticas, permitindo que agentes moralmente livres busquem seus interesses sem romper com a perspectiva de mundo que possuem. Dessa forma, comportamentos individuais guiados por diferentes princípios — sejam cristãos, utilitaristas ou antropocêntricos — podem coexistir, gerando efeitos positivos para a sociedade.
Assim, o egoísmo moral não apenas explica a dinâmica do Ocidente, mas também reforça a ideia de que a liberdade individual e o benefício coletivo podem caminhar juntos.
