Esquizofrenia



Não importa se alguns buscavam convencer a si mesmos da verdade que desejavam. Ele, de maneira íntima, construía a sua própria expressão.

Estava envolvido em uma trama, e sua casa era como a de uma aranha assombrosa: um lugar onde muitos se lançavam para apodrecer, ainda que vivos, em suas teias. Não por um ato de violência, mas por uma atração sombria que arrastava para dentro, esperando o momento de matar ou partilhar sua podridão com alguns poucos privilegiados.

Jamais poderiam dizer que foram vítimas inocentes de seu jogo, pois viram morrer todos os que entravam na casa para servir de alimento. Alimentavam-se juntos das sobras de cada presa, de cada história, de cada vida.

Muitos sinceros, incapazes de perceber os fios, erguiam os olhos aos céus, deixavam a areia dos sapatos do lado de fora, agradecidos pelo socorro, e passavam pela porta com corações esperançosos. Mas ali começava sua desgraça. Os sorrisos eram o prenúncio da destruição inevitável.

Com o passar dos anos, aprendeu a fraqueza dos homens: o desejo ardente de pertencimento. Eram capazes de ver a injustiça e convencer a si mesmos de que nada havia a fazer, de que outros manteriam o mesmo silêncio diante da atrocidade.

Nada lhe ensinou mais sobre os homens do que a forma como se sentem privilegiados por conhecer a maldade e guardá-la em segredo, dentro de um pequeno círculo. Percebia que a letargia de suas mentes era uma dádiva para criar fidelidade.

Grande tolice seria não distribuir um milésimo do poder aos que estavam dispostos a desprezar a justiça e a verdade, repetindo incansavelmente para si mesmos: outros fariam igual, fariam igual, fariam igual. 

Aquele ambiente de frouxidão moral e insegurança era a porta pela qual muitos veriam o íntimo de suas vidas destruído.

A teia se estendia por toda parte, e de cada pessoa vinha um toque diferente: o peso, a cor, a condição, a herança — cada um servia a um propósito. Uns eram alimento, outros sustentavam o domínio. 

Há sempre um solo fértil quando a moral declina, pois tocar o poder, mesmo que por um instante, torna muitos gratos; e não é preciso esforço para manter fidelidade, já que o interesse por seus benefícios é a própria chama que alimenta um pacto quase de sangue.

Certa noite, quando era possível sentir a frieza de trevas tão densas que pareciam tocar a pele, todos estavam no grande salão, reunidos para compartilhar os atos cruéis do pacto. 

No centro estava a presa, cheia de gratidão pelo acolhimento recebido, quando, ao final, ouviu uma grande porta ranger. Do outro lado nada podia ser visto: era a mais pura escuridão. Todos silenciaram, mas a presa mais ainda, e seu coração transbordou de medo atormentado.

A frieza tomou conta daquele lugar. As trevas cresciam sorrateiras, engolindo cada canto. E, de repente, uma terrível aranha surgiu ao seu encontro, e ela não pôde reagir. Despida completamente, seu corpo rodava entre suas pernas, enquanto gritos de puro pavor escapavam de sua garganta. A criatura a ergueu, para que todos pudessem contemplar o medo estampado em seu rosto. 

A mente dos mais jovens ainda se agitava, parecia que poderiam enxergar a realidade — mas logo eram dominados por um desejo ardente de ser parte de tudo aquilo.

Não se tratava de relativismo, mas de uma construção cuidadosamente narrada, capaz de sustentar uma utopia usando a própria verdade e as virtudes para manter a insanidade — uma verdadeira esquizofrenia. 

De um lado, havia uma força objetiva, universalmente aceita, capaz de gerar comportamentos desejados, manipulação e controle; do outro, conscientemente, destruíam-se valores pelo ceticismo do próprio argumento: “em nosso lugar, outros fariam igual, fariam igual, fariam igual.” 

É quando o poder se revela como controle, e não como força a ser dominada.

Os mais velhos, que haviam testemunhado o declínio ao longo dos anos, encontravam-se incapazes de reagir. Matariam, com um gole de cicuta, qualquer um que ousasse abrir os olhos dos moços. E tendo visto tantas vidas morrer dessa forma, já antecipavam o último golpe: quando o corpo era erguido mais alto, e os membros arrancados e lançados para que todos compartilhassem a destruição pelo poder.

Ao presenciar aquele ato de crueldade, alguns vomitaram, mas, para provar da loucura, continuavam a compartilhar da podridão até mergulhar completamente. Os que resistiam, por causa de uma grande iluminação, eram mortos ali mesmo, servindo de exemplo para os que ousassem recuar.

Aquele lugar ficou tomado de sangue e sujeira, cujos odores se misturavam às trevas densas que haviam se enraizado nas mentes, mantendo um perturbador juízo cético: a verdade e as virtudes não poderiam ser vivenciadas de outra forma, pois não existem espíritos mais elevados.

Todo aquele terror, que levava muitos à morte, era o desejo de almas inquietas por fazer parte de uma coletividade, necessitadas de provar que pertenciam à verdade ou às virtudes, capazes de construir sociedades, mesmo que essas dádivas se tornassem instrumentos de maldade.

Enquanto isso, acreditavam possuir algum privilégio ao conhecer o mal e sujar as mãos juntos, pois alguém precisava fazê-lo; escondiam tudo, crendo que isso servia a um bem maior.