Anzóis


Naquela noite, a vizinhança ouviu um barulho de vidros quebrados. Algumas pessoas foram à rua para tentar entender o que acontecia, quando perceberam rastros de sangue e pedaços de pele no asfalto.

O vizinho de Ângelo não resistiu ao desejo de morder o anzol e foi arrastado violentamente para fora do quarto, sendo puxado através da janela. Ele havia tomado a decisão de ser levado pela boca, como um animal.

Normalmente, após alguém ser tirado de casa daquela forma, as pessoas se mantinham em silêncio, sem saber se seriam capazes de resistir até o fim de suas vidas, sem que seus corpos fossem destroçados pelas ruas.

Apenas aqueles que morriam sem nunca ter mordido o anzol podiam retirá-lo de seus quartos. Todos viviam diante da terrível expectativa de ser arrastado abruptamente.

O que alguém via na ponta do anzol para mordê-lo com tanta força — a ponto de a ponta atravessar o céu da boca — ninguém sabia. Suspeitava-se de que alguma loucura tomava os que mordiam.

Talvez, se não fosse a grande quantidade de pessoas arrastadas e o odor pútrido que os corpos deixavam pelas ruas, houvesse alguma paz para que as pessoas descansassem ao menos por alguns dias. Mas, todos os dias, alguém era arrancado de casa daquela maneira assustadora.

A vida era atormentada pelo medo e pela agonia, principalmente quando um jovem era tirado de sua família daquela forma. Tantos dias de vida sem serem vividos... Isso levava alguns a antecipar o momento da dor, a um estado de insanidade, quando podiam ver no anzol o desejo mais devastador, capaz de destruir a própria existência.

Ângelo, assim como todos, temia por seus familiares e por si mesmo. Não era incomum encontrar alguém da família sozinho no quarto, diante do anzol, consumido pela tristeza e pelo sofrimento. Algumas pessoas, sem explicação para a realidade de tudo aquilo, chegavam a prestar culto àquele deus.

Sua vida não era fácil. Não bastassem os males comuns da sociedade, aquele instrumento de punição — perturbador — estava o tempo inteiro anunciando a morte indesejada.

Todos sabiam, pela experiência, que a completa danação não chegava por um único deslize. Que parecia ser algo avassalador que atraía para o anzol, tornando impossível resistir.

Aos poucos, lentamente, Ângelo rompia com seus próprios valores, sem que ninguém percebesse. O que parecia um dualismo — o equilíbrio entre o bem e o mal — mostrava-se, na verdade, uma lenta corrosão interior. As pessoas chegam a guardar o ardor na alma, acreditando caminhar na luz, até serem surpreendidas pela devastadora tormenta que invade suas vidas.

A sociedade em que vivia estava em decadência. Os valores ainda eram vistos como desejáveis, mas a incongruência tornava-se cada vez mais comum. Isso levava muitos ao abandono dos princípios, a “uma vida sem peito”, sufocada pelo desejo de parecer, para dar sentido à existência atormentada por um miserável anzol no quarto.

Diante da frieza e da insipidez — que se espalhavam como uma epidemia — apenas a personalidade e a individualidade, como em épocas antigas, pareciam capazes de oferecer um chão firme no meio daquela vastidão de desgraça. Mas era difícil crer, em toda aquela convulsão social.

Tudo parecia ir bem, sem qualquer sinal de que seria arrastado brutalmente, até o momento em que entrou em seu quarto e viu, na ponta do anzol, o que mais desejava. Para ele, era algo justo, nobre, que tornava uma alma digna — mas que exigia negociar seus princípios para ser alcançado.

Estava tão próximo do que esperava, que sentiu a necessidade de morder com os dentes, como um animal.

A letargia invadiu seus ossos; seus valores desmoronaram. O ceticismo enforcava as bases morais em sua mente, entregando-o à subjetividade — uma aceitação amarga de que a vida não poderia ser melhor, e de que o discurso moral se perde, como água que escapa entre os dedos.

Seu silêncio diante da injustiça, seu autoconvencimento de que era melhor não perder o benefício, porque quem poderia consertar essa vida infame de decadência?

Então, Ângelo se aproximou do anzol, lentamente. Olhou para o que estava em sua ponta, abriu a boca e mordeu com força, na esperança de saciar a fome. A ponta voltou-se para o céu de sua boca. E, após um tempo, seu corpo foi puxado e arrastado pelas ruas.

Foi levado por quilômetros, e o que mais desejava continuava preso à sua boca, até que nada mais restasse.

De muitos, havia rumores sobre o motivo de serem levados. Mas dele, nada se podia suspeitar. A sutileza da complexidade moral e social escondia de todos a verdadeira razão.

O que ele viu na ponta do anzol? Qual foi a sua perdição?